Paulicéia (Des)Amada
Av. 23 de maio, vista do jardim do Centro cultural São Paulo...
luzes em movimento
Foto by Paula Martins |
Não que eu ame seus arranha-céus que me tiram o sol
e escurecem as estrelas;
Mas procuro em suas formas e tamanhos
o brilho perdido dos olhos e o calor da pele abraçada.
Não que eu ame seus animais engaiolados
entre paredes brancas e frias;
apenas atraí pássaros a minha janela para ouvir seu canto imortal
sem prendê-los em meu coração.
Não que eu ame a falta de rios limpos
e cachoeiras monumentais;
apenas me deleitei em fontes artificiais
naquele canto frio de uma sala branca.
Não que eu ame sua cor cinza e seu verde morto;
Apenas redescobri pequenos parques e novas praças
para descansar minhas pernas cansadas
e meus olhos amedrontados.
Não que eu ame sua gente apressada e mal humorada;
mas conheci palhaços cujos risos quase destruídos
me lembram de ser criança.
Não que eu ame o cinza-chumbo do seu céu rareado de estrelas;
apenas me conformei em procurar estrelas escassas
entre as nuvens cinzas em lugarejos escondidos.
Não que eu ame suas ruas submersas no lixo
da falta de respeito e da educação mal acabada;
Apenas acostumei-me a dormir ao som de sua tempestiva garoa
que refresca o calor fora do eixo transformado
pelas mãos do bicho homem.
Não que eu ame suas casas miseráveis
e seus condomínios acovardados;
mas encontrei gente oriunda de todos os cantos
e encantos do planeta ainda azul nos mares periféricos
fazendo sua arte de riquezas subversivas.
Não que eu ame suas luzes artificiais
que ensurdecem meus olhos;
mas avistei a lua sem brilho no céu
iluminado com partículas de solidão.
Não que eu ame suas latas de sardinha coletivas;
mas escutei suas historias de riso e choro,
observando seus rostos de solidão e gloria.
Não que eu ame essa cidade sem definição alguma
porque não é apenas uma, e por isso
bela, diversa, confusa, exagerada, submersa, subversiva.
apenas descobri enfim que para amá-la
era preciso encontrar nela o mundo inteiro
e então reconhecer uma cidade escondida
na pele mestiça da Babel flamejante de cultura e caos.